Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio
No prédio que amanhã for demolido... Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira, Cancioneiro de Natal
NATAL À BEIRA-RIO
É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
a trazer-me a água da infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado…
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra me envolvia
mais da terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia…
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, do Mar, ou de Poesia?
David Mourão Ferreira, Cancioneiro de Natal, 1971
ROSAS DE INVERNO
Corolas, que floristesAo sol do inverno, avaro,Tão glácido e tão claroPor estas manhãs tristes.
Gloriosa floração,Surdida, por engano,No agonizar do ano,Tão fora da estação!
Sorrindo-vos amigas,Nos ásperos caminhos,Aos olhos dos velhinhos,Às almas das mendigas!
Desse Natal de inválidosTransmito-vos a bênção,Com que vos recompensamOs seus sorrisos pálidos.Camilo Pessanha
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